PORTUGAL VAI ENQUADRAR PROFESSORES DA EPL

O Ministério da Educação, Ciência e Inovação de Portugal está a analisar formas de enquadrar os professores da Escola Portuguesa de Luanda e cumprir as decisões do tribunal sobre um conflito laboral que levou ao congelamento das contas da instituição.

Numa resposta enviada hoje à agência Lusa, o Ministério responsabiliza o anterior Governo por não ter tomado medidas no sentido de chegar a um acordo com os professores e evitar um litígio em Tribunal, lembrando que a situação se arrasta desde 2022.

O Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) disse ainda que “está a analisar a forma de dar cumprimento à decisão do Tribunal, salvaguardando os interesses do Estado português”.

Dez professores da Escola Portuguesa de Luanda (EPL) intentaram uma acção contra o estabelecimento de ensino queixando-se de “despedimento irregular” e posterior assinatura de acordo ilícito.

A justiça angolana deu-lhes razão, no ano passado, obrigando a instituição a assumir os direitos e obrigações dos contratos de trabalho iniciais.

Na sequência do conflito, um tribunal da comarca de Belas (Luanda) mandou penhorar as contas da EPL para obrigar ao cumprimento da sentença e ao pagamento de valores relativos a acertos salariais, uma decisão executada na passada quinta-feira.

O Governo português adiantou que “está a preparar o enquadramento jurídico necessário para permitir a integração na carreira portuguesa dos docentes da EPL, através do lançamento de um concurso”.

O ministro da tutela, Fernando Alexandre, esteve na semana passada em Luanda “para se inteirar dos detalhes desta situação” e encontrar uma solução em consenso com a Direcção da escola e os docentes, “reconhecendo a importância da EPL e as possíveis consequências negativas do conflito existente para o seu bom funcionamento”, acrescenta o gabinete de imprensa do MECI.

A EPL, criada na década de 1980, foi até 2021 gerida pela Cooperativa Portuguesa de Ensino em Angola (CPEA), mas a partir de 7 de Setembro de 2021 passou a ser gerida pelo Ministério da Educação português, após um litígio com alguns cooperantes.

O Ministério da Educação português tutelava a instituição desde 2006, embora a escola fosse gerida por uma entidade privada que tinha um contrato de gestão com o Estado.

Na passagem da administração da CPEA para o Estado português não houve transmissão do vínculo laboral dos professores e para continuarem a leccionar estes tiveram de celebrar um novo contrato, mas perdendo regalias e remunerações, o que a maioria aceitou. No entanto, dez professores decidiram avançar para tribunal, em 2022.

Segundo a decisão do tribunal “o Ministério da Educação português, ao assumir ele próprio a gestão” da escola, “deveria assumir a posição da Cooperativa Portuguesa do Ensino em Angola, relativamente aos contratos de trabalho com os requerentes, mantendo a antiguidade e os direitos adquiridos e em formação ao serviço do anterior empregador”.

A Escola Portuguesa de Luanda – Centro de Ensino e Língua Portuguesa foi criada ao abrigo do protocolo relativo ao Centro de Ensino e Língua Portuguesa de Luanda, celebrado entre os governos de Portugal e Angola, tendo sido formalmente constituída em 2006.

A cessação de funções da CPEA culminou uma série de conflitos que opunha um grupo de cooperantes e a Direcção da EPL.

Em 2020, cerca de 300 cooperantes da CPEA assinaram um requerimento defendendo a realização de uma assembleia-geral extraordinária para discutir a revisão dos estatutos e propuseram a destituição dos atuais órgãos sociais da cooperativa e a nomeação de uma comissão de gestão interina.

A CPEA rejeitou, na altura, as acusações, alegando estar em causa uma tentativa de tomada do poder e justificou os aumentos impostos no ano lectivo 2020/2021 com a necessidade de assegurar a sobrevivência da escola.

No dia 7 de Setembro de 2021 o sócio da Cooperativa Portuguesa de Ensino em Angola (CPEA), Yuri Guimarães, questionou a decisão do Estado português de assumir “de forma transitória” a gestão directa da Escola Portuguesa de Luanda, depois de anos em silêncio.

Yuri Guimarães, cooperante e encarregado de educação, reagiu, em declarações à decisão do Estado português de assumir de forma transitória a gestão directa da EPL, antes gerida pela CPEA, que cessou funções após um litígio com alguns cooperantes.

O cooperante sublinhou ainda que não percebia a decisão do Ministério da Educação português “que nunca respondeu às solicitações para que interviessem e às respectivas denúncias feitas pela cooperativa há mais de quatro anos, devidamente registadas”.

“Não percebo porque é que sem qualquer intenção ou compromisso com a verdade que demonstraram ao ignorarem e ao remeterem-se ao silêncio face às nossas denúncias, porquê que hoje vem publicamente manifestar essa transição sem qualquer comunicação prévia à comunidade educativa da EPL”, referiu.

Yuri Guimarães questionou também o facto de o Estado consentir inicialmente “as irregularidades todas e, na véspera de ser chamado a depor em tribunal, toma esta decisão”.

“Não temos qualquer justificativa para essa posição repentina, até porque tão logo os cooperantes informaram do que se estava a passar e solicitaram a intervenção do Estado português para que ao menos pressionassem para que fosse realizada uma Assembleia Geral fomos ignorados, pois diziam eles que estava tudo bem, ou seja, que a escola estava a ser bem gerida”, salientou.

No seu entender, o “dono da escola consentiu que uma cooperativa não credenciada gerisse a sua escola por mais de 20 anos e sem contrato de gestão”.

Para o cooperante, a situação foi assim mantida pelo Ministério da Educação, porque “a cooperativa serviu apenas de um instrumento para financiar uma escola pública, onde o Estado não tem qualquer ónus e tão-pouco assegura os direitos dos alunos consagrados na lei de bases do ensino português, no estatuto do aluno, no estatuto das cooperativas de ensino e na Constituição portuguesa”.

Yuri Guimarães frisou que sempre defenderam um tratamento em igualdade de circunstâncias em relação às congéneres dos restantes Estados-membros dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).

Uma informação então avançada pelo Ministério da Educação de Portugal indicava que, com a cessação de funções da CPEA, “o Estado português assume de forma transitória a gestão directa da Escola Portuguesa de Luanda até à conclusão do procedimento concursal para a nova gestão”.

A cessação de funções da CPEA culminava uma série de episódios que opunha um grupo de cooperantes e a Direcção da EPL. Em 2020, cerca de 300 cooperantes da CPEA assinaram um requerimento defendendo a realização de uma assembleia geral extraordinária para discutir a revisão dos estatutos e propuseram a destituição dos órgãos sociais da cooperativa e a nomeação de uma comissão de gestão interina.

A CPEA rejeitou, na altura, as acusações, alegando estar em causa uma tentativa de tomada do poder e justificou os aumentos impostos no ano lectivo 2020/2021 com a necessidade de assegurar a sobrevivência da escola.

O aumento das propinas motivou vários protestos dos cooperantes que avançaram para o tribunal para travar a medida. No dia 9 de Julho de 2021, o Tribunal de Luanda decretou uma medida cautelar impedindo o aumento das propinas e intimando a CPEA “a não colocar qualquer obstáculo e a aceitar a matrícula de todos os alunos educandos dos cooperadores para o ano lectivo de 2021/2022” e a abster-se de “qualquer conduta que coloque em risco o direito fundamental dos educandos à frequência da escola”.

No entanto, os cooperantes que tinham avançado com a acção contra a CPEA queixaram-se que a entidade gestora da Escola Portuguesa estava a desobedecer à decisão do tribunal, continuando a cobrar propinas e a fazer matrículas com os aumentos impostos.

Na sequência desta queixa, o tribunal da comarca de Luanda remeteu ao Ministério Público um pedido para a abertura de um processo pelo crime de desobediência contra o representante legal da EPL.

Na altura, a Lusa contactou telefonicamente Horácio Pina, que assumia a gestão da EPL, mas o mesmo apenas referiu que não tinha sido notificado de qualquer informação do tribunal, remetendo para o Ministério da Educação português quaisquer esclarecimentos sobre o assunto.

Para o Ministério da Educação português, e “à semelhança do que acontece com outras escolas portuguesas no estrangeiro, a EPL tem-se evidenciado como uma instituição educativa de grande prestígio, desempenhando um papel primordial na promoção do ensino e difusão da língua e cultura portuguesa e um relevante papel no reforço dos laços de amizade e de cooperação entre o Estado angolano e o Estado português”.

“O Estado português permanece empenhado em cumprir os objectivos centrais da Escola Portuguesa de Luanda e no estreitamento dos laços linguísticos e culturais entre os dois povos”, afirmou o ministério.

Em Abril de 2018, a Direcção da cooperativa, sem fins lucrativos, que gere a Escola Portuguesa de Luanda disseque não tinha meios para ultrapassar o impasse em torno das actualizações salariais exigidas pelos professores, em greve, apelando à intervenção do Governo português.

A posição foi assumida por Paulo Arroteia, administrador para área financeira da CPEA, que gere a EPL, recebendo para o efeito um subsídio anual do Estado português, que em 2017 ascendeu a 776.000 euros, num orçamento global, para o funcionamento da escola, incluindo pagamento dos professores, a rondar os 13 milhões de euros.

“O Estado português tem de intervir. Tem que tomar decisões, não se pode andar a esconder aqui atrás, nós que decidamos e vocês vejam se desenrascam aí”, criticou Paulo Arroteia, alertando que “não é só a cooperativa que tem a responsabilidade de gerir a escola”.

“Tem que haver, da parte do Estado, representado pelo patrono da escola [embaixador português], um maior apoio. Eles têm também que tomar uma posição nisso, não podem simplesmente estar à espera do que é que vai acontecer. E é isso que está a acontecer, eles não se manifestam”, afirmou ainda o responsável, acrescentando “tudo o que se está” a passar na EPL foi transmitido pela cooperativa às autoridades portuguesas em Luanda.

Contudo, garantiu que, desde logo, o subsídio que Portugal paga para a manutenção da EPL já estava desactualizado e que “nem de perto, nem pouco mais ou menos” chegava para gerir a escola, aliado ao diferendo entre pais, que recusam pagar mais, em kwanzas, pela propina mensal, e professores, que não querem perder, em euros, o valor do salário que recebem em moeda angolana, em forte desvalorização.

Foto: Visita de Marcelo Rebelo de Sousa à Escola Portuguesa de Luanda

Folha 8 com Lusa

Artigos Relacionados

Leave a Comment